Voltando nas linhas escritas pelo meu tempo, na mágica adolescência dos meus dias, também no começo da velhice que ora deseja me devorar, recordo-me da figura do meu ilustre carro de bois. No alvorecer da minha existência, o carro ainda me pertencia, contudo não era eu mais a guiá-lo pelas estradas de terra do meu querido Sertão. Deixei minha fazenda na Lagoa do Mato e me meti em uma residência na primeira Praça da cidade, nada foi por acaso, deste ponto poderia observar meu querido veículo apontar para a feira do sábado. Na madrugada, galos ainda mudos, uma quietude de cemitério, de repente um corte suave e fagueiro no ar. Estava em jubilo, contente não mais conseguia pregar os olhos, ouvia aquele canto do eixo a arranhar os chumaços e os coçãos; a cada minuto corrido, o som se imprimia mais e mais alto a meus tímpanos. Levantava, abria a janela, observava o leste vivamente, as bandas do Rio. Os galos ao reconhecer o som logo se tratavam de encorpar a afinada orquestra, alguns cães, volta e meia, metiam um agudo forte na melodia. O sol jogava seu manto amarelo por sobre a serra, aos poucos ia engolindo a cidade que com ele acordava. Era dia de feira livre, dia de fazer negócio, dia da compra e da venda. O carro deixava-se ver no limiar do horizonte, meus olhos brilhavam com os raios do rei supremo que ora os atingiam. Para chegar à minha residência, uma pequena ladeira exigia muito da parelha de bois, animais grandes, amarelo claro, par de cifres a quase tocar um ao outro. O rangido aumentava o tom, minha alegria crescia na mesma batida. Meu amigo chegava à porta, eu já me encontrava de pé a esperá-lo. Bom dia, compadre. Bom dia, respondia o homem fatigado da viagem. Enquanto para mim tudo aquilo era sublime, para o pobre serviçal não passava de penúria e obrigação. O homem descia do carro e me acompanhava até a mesa, tomávamos café enquanto conversávamos. Ele devorava os alimentos com ânsia, estava faminto, parecia que há dias era privado de alimentação. O que trás para feira hoje, compadre? Trago: rapadura, laranja, falinha de mandioca, requeijão e algumas abóboras. Como anda a vida por lá? Do mesmo jeito sempre, nada muda, muito trabalho e pouca diversão, faz parte da vida. Tenho saudade de quando eu morava na roça. Lá a vida é muito dura, boa talvez para o senhor que foi patrão, serviçal sofre muito. Em seguida, o homem sobre a carga e a gritar com os bois terminava o percurso até a feira, eu voltava à cama e ficava a sonhar acordado, lembrando-me da minha adolescência.
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